This is an automated archive made by the Lemmit Bot.
The original was posted on /r/portugal by /u/VicenteOlisipo on 2024-04-09 14:11:22.
O título é a acusação ontem feita ao ensino (público) pelo ex-Primeiro Ministro Pedro Passos Coelho. Claro que ele é político hábil o suficiente para não especificar, para não poder ser desmentido, mas quem conhece o “dog whistle” sabe do que se trata, e para quem não conhece temos as Cecílias Meireles desta vida para explicar: é admitir a existência de LGBTs.
Acontece que até conheço alguma coisa sobre o ensino soviético, por familiares que o viveram, e era muito mais ao gosto do Pedro Passos Coelho e amigos do que o nosso actual. Não espalhava a mensagem da Santa Madre Igreja, é verdade, mas ensinava acima de tudo a obediência à autoridade, como os conservadores gostam. Não havia sombra de gays ou trans ou qualquer outra variação à norma, excepto talvez a étnica, e mesmo essa apenas superficial, porque branco ou preto ou amarelo tinhas de falar, vestir e viver nos moldes exactos da cultura oficial do estado. O indivíduo não era um sujeito de direitos, era um objecto de deveres. E as mulheres também não tinham razão de queixa, a lei já lhes dava direitos iguais, acabou a choradeira. Sovietização do ensino português só existe nas políticas do livrinho ontem apresentado.
Mas há umas coisas que gostava de trazer da URSS para o nosso ensino. Em primeiro lugar, as datas. Já antes da Revolução de Outubro a Rússia estava a educar mais rápido do que Portugal, mas depois da fundação da URSS dispara e chega a toda a população muito antes de Portugal. E se olharmos para o ensino superior então, que cá ainda é visto como para as elites, é a depressão total.
População com pelo menos alguma educação formal
População com ensino pós-secundário / superior
Em segundo lugar, os básicos dos básicos do investimento no ensino público, onde mesmo sem valorizar o indivíduo ainda se valoriza a experiência coletiva de quem lá passa. Na escola dos meus não há sabão nem papel higiénico nas casas de banho, porque “eles gastam tudo”, e têm de pedir aos professores ou auxiliares sempre que precisam. Nem o cabrão do Brejnev se lembrava de tal coisa. As salas são geladas no inverno, fornos no verão, e o recreio é um campo de cimento ao sol com duas balizas de metal, um jogo da macaca desenhado no chão, e um triciclo oferecido pela associação de pais.
Tudo isto para dizer que não há sovietização nenhuma no ensino português. Já não havia quando, há 21 anos, a direita usava exatamente a mesma expressão para atacar os projetos educativos de outro governo da direita. Os piores aspectos do ensino soviético são precisamente os exigidos pelas forças conservadoras que usam essa expressão como fantasma difuso - a mesmas pessoas que falavam de “marxismo cultural” há uns anos. E os aspectos em que o ensino soviético foi melhor que o nosso, nem a direita nem o PS querem introduzir.