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The original was posted on /r/pastaemportugues by /u/Sazalar on 2023-07-31 11:21:08.
Já namoramos há 8 anos e isto não é uma novidade para mim. A minha namorada adora maionese. Mas ela mete maionese em coisas que nunca vi ninguém, em lado nenhum, na história escrita da nossa humanidade, meter. Algo que supostamente não devia de ter valor nenhum, cada vez mais me me provoca sentimentos que me deixam de boca aberta. Tem dias que fico impávido, como se eu fosse um italiano a acabar de ver alguém a meter ketchup no esparguete.
Tudo começou quando estavamos no primeiro ano de namoro. Estavamos os dois no Mac Donald’s e ela pede um menu Big Mac com batatas e um sundae. O senhor que atendeu perguntou lhe se queria o sundae para depois e ela disse que não, que o queria agora. Perguntei lhe se gostava de sundae derretido porque normalmente come se o sundae depois do hamburger e eis o primeiro sinal, que na altura dei-lhe pouco valor mas que me deixou algo surpreendido. Ela disse me que o sundae iria ser o dip dela para as batatas!
E lá estou eu a comer o meu double cheese enquanto ela no outro lado da mesa, pega numa batata frita e o meu cérebro processa o ilusivo ato em câmara lenta. A batata frita lentamente a ser dipped no sundae e a ir para a boca da minha namorada. ‘Mmmmm’ disse ela. ‘Devias tentar.’
Tentei. Fazia algum sentido. Doce e salgado. Mas nunca vi nada assim. Eu nunca, mas nunca pensaria que isto seria um início de uma relação para além de um simples namoro. Mas devia ter advinhado que isto era um grande indício. Um indício de uma relação amorosa com uma pessoa que adora alquimia… Com comida.
Anos passaram. E eis o segundo incidente. Estava a fazer um bitoque para mim e ela. Tinha feito o refogado, escolhido as ervas. Os grãos de pimenta. Feito o arroz branquinho. O molhinho do bife. O ovo estrelado. Sirvo para nós dois.
Ela prova e diz que adora os meus pratos. Fico muito feliz com alguém que me dá suporte e gosta do que faço. Mas nada me prepararia para o que vinha a seguir.
Ela abre um frasco de maionese da marca continente. E com uma colher de sobremesa, tira um naco de maionese e mete no arroz… E mistura como se tratasse de leite no nestum.
Eu fico de boca aberta a olhar para ela. Como se tivesse acabado de ver um ovni a aterrar à minha frente. Ela pergunta-me o que aconteceu e eu apenas lhe disse que nunca tinha visto alguém a meter maionese no arroz. ‘O arroz normalmente é me algo seco’ diz ela. Provo um bocado. Realmente pode fazer sentido, digo eu a mim próprio, numa tentativa de fazer tudo sentido para mim. ‘até sabe ok’, convenço me. E continuamos os dois pela noite dentro.
A minha relação com a minha namorada é excelente. Apoiamo-nos um ao outro nas fases fáceis e nas fases duras. Durante despedimentos de trabalho, durante tempos difíceis. Durante testes da vida. Durante doenças. Durante a pandemia. Somos perfeitos um para o outro. Mas durante esses mesmos anos… Eu vi coisas que nenhum chefe ousaria testemunhar… Maionese no esparguete, no arroz, no puré de batata… E eu a convencer-me a mim próprio que a nossa relação é bastante mais forte que isto.
‘É apenas maionese. Custa tão pouco e não aleija nem mata ninguém’ - Digo eu à minha consciência enquanto testemunho a minha namorada a deitar uma bisnaga de maionese da marca Calvé num prato de cous cous marroquino.
Mas hoje, hoje vi algo. Algo que faria o Chef Henrique Sá Pessoa tremer, o chef Avilez a ter a thousand yard stare e o Ljubomir a dizer 100 palavrões em 10 palavras apenas.
Ao fazer o almoço, decido fazer bacalhau à Brás. Preparo tudo como manda a lei, a cebola picadinha, as folhas de louro, alho picadinho. Os ovos, as batatas e o ingrediente principal. Tudo como manda a lei. Demorou 1 hora a preparar e fazer tudo. Estava muito orgulhoso com o resultado. Fui buscar salsa de propósito para o topping e só não tinha azeitonas pretas. Mas mesmo assim estava mesmo orgulhoso da comida que fiz. Tinha provado. O montante certo de sal, uma pitada de piri piri só para aquecer o suficiente, o sabor fantastico do louro pelo prato todo, a frescura da salsa pelas batatas e ovos. Vocês deviam ter provado, estava uma delícia para alguém como eu que não tinha experiências de cozinha. Quase fazia uma selfie com o prato para meter no perfil de LinkedIn.
Sirvo um prato para a minha namorada, ela prova e diz que está uma delícia. Nunca estive tão contente comigo próprio e com o que fiz. Se apenas o almoço tivesse terminado assim…
Heis que ela arrasta a cadeira para trás e se levanta… Ia lhe perguntar se queria água fresca ou algo mas a minha boca manteve-se fechada porque no fundo já sabia o que vinha a seguir iria ser um dos eventos mais marcantes da nossa história conjunta…
E eis o evento. Em camara lenta, na minha cabeça o som Chariots of Fire de Vangelis a dar, observo o evento a desenrolar… A namorada a chegar à porta do frigorífico… A abrir o frigorífico lentamente… A alcancar o frasco da maionese… A trazer uma colher consigo… A chegar se à mesa… E num gesto como se fosse um maestro de uma orquestra, a colher colhe um naco de maionese e… Splat… Em cima do bacalhau à Brás!
Não…
Tu não acabaste de fazer isso.
‘Estava seco.’ disse me ela para mim no tom mais inocente que alguma vez observei dela.
Eu fico uns 20 segundos a tentar conjurar a mais pequena palavra que podesse dizer. Mas nada veio à minha cabeça pois tinha acabado de observar algo que nunca pensava ver na minha vida…
A minha namorada tinha acabado de misturar maionese… no seu prato de bacalhau à Brás.
Eu passo as tardes de domingo normalmente com uma sesta depois de almoço. Mas hoje não deu. Hoje não consegui dormir. Apenas consegui pensar nesta cena inédita do almoço. Ela pergunta-me porque é que eu estou calado.
‘Nada. Estou só a meditar.’ respondo-lhe com alguma hesitação. Mas na verdade não sei o que fazer com isto.
Supostamente isto não devia ser nada. É só maionese… Já ultrapassámos desafios mais difíceis. Já demos a volta a meio mundo. Somos mais que perfeitos um para o outro. Mas a minha cabeça nunca para de pensar nisto. Na maionese a ser misturada na minha obra prima de cozinha. No Bacalhau à Brás, agora cremoso, com sabor a maionese.
Ela dá me um beijo. Mas eu só penso na maionese.
Isto vai passar, certo? Estou certamente só e apenas só a fazer overthinking? Será que a maionese vai ser o fim do nosso relacionamento de uma decada? A minha cabeça está numa espiral de maionese… Alguém já esteve numa situação semelhante? Isto passa ou envenena a relação para sempre?